Tenho tanto pra falar,
no banho de ainda agora mil pensamentos me vieram á cabeça, pra ser sincera
quando me dei conta havia acabado o banho e nem havia me dado conta de tal
fato. A vida é assim, se eu pudesse colocar todos os feitos em palavras, se eu pudesse
colocar tudo em tinta e papel, as coisas seriam menos difíceis, talvez. Hoje eu
vim falar sobre o meu pai, essa pessoa tão difícil de lidar, porém tão única.
Meio que previsível muita das vezes, mas também indecifrável em algumas
ocasiões, você nunca sabe qual será a sua próxima palavra ou qual será o seu
próximo passo. Quando palavras tentam nos invadir a emoção, as coisas meio que
ficam sem controle, mas em momentos assim, felizes são o que possuem o domínio
próprio. Ver seu pai bater na cara da sua irmã mais nova te faz pensar em n
coisas, talvez eu deveria ficar mal, e se eu ficasse bem, será que deveria me
sentir mal por não ter ficado mal? Ou será que deveria pensar que talvez ela
merecesse, mas também não no rosto, mas também não me cabe julgar quando ele
também apanhou no rosto quando mais novo. Apenas me faz pensar em quantas
coisas afligem sua’lma e quantos medos e manchas ainda o aprisionam no passado,
são tantas coisas, não sei por onde começar. Pelo fato de ser filho de uma
empregada negra, onde o patrão era um racista português, que não deixava uma
criança sentar á mesa com os seus filhos pelo fato de ser negro e a criança
(meu pai) ter que comer escondido, ou posso listar o fato de que a mãe dele o
deixou na porta da casa de seu pai, após um doloroso divórcio e uma não aceita
separação por parte de minha avó paterna. Uma criança tão nova, tão cheia de
marcas e aprisionada dentro da alma de um adulto, que criou uma barreira intransponível,
onde ninguém pisa, nem habita e nem consegue fazer morada por muito tempo. O
corpo envelheceu, a barba cresceu, a bagagem da vida aumentou, mas a vida não
sarou, as feridas não sararam, ficaram entreabertas, sendo remexidas de tempo
em tempo. Sendo ainda hoje relembradas pelo mal convívio e diálogo com o pai,
pelo pouco afeto pela mãe, é como se os pés estivessem calejados de andar, mas precisassem continuar, e algo dissesse ‘’só mais um pouco, estamos
chegando’’... chegando, estamos chegando... chegando aonde? Não sabemos para
onde andar, ou que caminho trilhar. Poderíamos surtar, mas surtar não vai
adiantar, poderia enlouquecer, mas definhar não é uma opção, viver é preciso,
viver é uma decisão. E quando decidimos viver, decidimos aceitar e encarar as
dores, os problemas e tudo o que vem junto, incluindo as responsabilidades.
Filhos são uma grande responsabilidade, problemas pra um, bênção pra outros,
ser pai é uma grande responsabilidade, ser filho é uma grande responsabilidade,
é como se a linha tênue estivesse sempre em desalinho entre agradar, não agradar,
obedecer, não obedecer. Quando você ouve seu pai falar pra sua irmã que ela é
um merda, você fica pensando no que ela esteja pensando, talvez ela esteja
desejando a morte dele ou algo do tipo, não imagino e não quero saber o que a
minha irmã pensou, sei que eu já pensei isso, é como se eu pudesse entender e
sentir que no momento que as palavras saíram boca a fora, elas doeram mais nele
do que nela. Dói mais em quem as diz, do que em quem as ouve, ou não. O
processo não importa. O que importa é que foi dito. E palavras ditas ao vento,
não há como serem ‘’desditas’’. No calor da emoção coisas que não queriam ser
ditas, infelizmente são ditas, esperto são aqueles que não colhem palavras
ruins para o coração, adoecê-lo a essa altura do campeonato seria ruim demais.
É momento de sarar corações e almas alheias, e não de adoecer. As vezes se
torna difícil carregar algumas malas, alguns fardos, com memórias e coisas do
passado, situações semelhantes as de hoje, ou de mudar de lar todas as vezes
que não conseguíamos lidar com as despesas, ou de parecer que tudo está apenas
nas costas de uma pessoa, quando na verdade está, nas costas daquela criança
ainda não sarada e manchada pela ausência de amor fraterno e das pancadas do
vai e vem da vida. No ângulo de qualquer outra pessoa, isso soa rude, maldade,
mas a pessoa só transpassa aquilo que recebe, é lastimável pensar que as coisas
acontecem assim, infelizmente. Se temos hoje um adulto calejado e duro, é
porque o eu interior ainda carece de todas as coisas que não lhe foram
desfrutadas no passado, como eu disse anteriormente, elas são remexidas de
tempo em tempo. Eu poderia escolher ser um adulto assim, mas encontrei alguém
que me sarou, e me deu um novo coração. Que me ajudou a carregar os meus
fardos, e tratar com doçura os fardos alheios (inclusive, os do meu pai). Com
Ele eu aprendi que o passado nunca dirá quem eu sou, e que apenas o autor da
minha fé pode dizer o que eu sou e o que eu serei. Eu demorei tanto tempo pra
confiar e descansar, eu estava com medo da dor que vem com a fé. Ele me salvou
de mim mesma, quando eu poderia ser alguém cheia de marcas e feridas, Ele fez
brotar um jardim, onde dentro de mim tem as mais diversas flores coloridas,
gérberas, rosas, orquídeas. Não vejo a hora de florir coisas boas dentro da
criança que vive dentro dele, essa criança precisa deixar seus fardos nas mãos
de quem de fato pode ajudá-lo. Ele é o agricultor, só Ele pode plantar sementes
e fazer brotar um lindo jardim dentro dessa criança.
Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai o agricultor. João 15:1